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"Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.
Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.
É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.
Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.
Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.
E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.
Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança
Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar…
Fazer seu nojo meu…
Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho."
João Cabral de Melo Neto
“Cadernos de Literatura Brasileira”, nº. 01, publicado pelo Instituto Moreira Salles em Março de 1996, p.60. – fonte
Sugestão do amigo Volnei Rosalen.
A Administração Pública é uma aberração da sociedade. O trabalho é puramente burocrático. O servidor tem que trabalhar por três: por ele, pelo outro que não fez seu dever, e pelos caprichos daqueles que deveriam zelar pela legalidade e moralidade. E só há cobrança. Não há racionalidade, não há motivação. Quanto mais se trabalha, mais ônus (e menos bônus). Por falta de coragem ou vocação, aceita essa condição sonhando com a aposentadoria. Muito penosa essa situação.
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